Final de Análise e Ato Analítico
Dentre as várias particularidades da formação em psicanalise, irei focar a respeito do fim de análise e o ato analítico, resultado do que eu pude trabalhar no cartel cujo tema é o “O Ato Analítico” promovido pela ALPL neste ano.
E dentro do Seminário resolvi destacar a questão da analise pessoal na formação do analista, porque a analise pessoal tem me dado condições de auxiliar em tantos impasses e dificuldades que a psicanálise provoca em mim diariamente.
Exemplifico esta importância que, (apesar de parecer com os títulos daqueles livros que dão mil e uma razões para fazer qualquer coisa na vida), aqui vão as minhas “04 razões da analise para a formação do analista”:
- Porque apesar da complexidade que envolve a formação do analista é necessário ser simples na sua prática;
- Porque permite que os laços libidinais do analisante provocados pela minha presença me contornem, sem que me emaranhe nestes fios, dando subsidio de fazer semblante da transferência;
- Porque para que aconteça o ato analítico é necessário uma renuncia do meu saber e do meu ser;
- Porque o desejo de ser analista é diferente do desejo do analista.
1a Razão
“apesar da complexidade que envolve a formação do analista é necessário ser simples na sua prática;”
Freud1 nos diz em “A questão da análise leiga” sobre o curso de uma análise:
“Nada acontece entre eles, salvo que conversam entre si. O analista não faz uso de qualquer instrumento – nem mesmo para examinar o paciente – nem receita quaisquer remédios (…) O analista concorda em fixar um horário com o paciente, faz com que ele fale, ouve o que ele diz, por sua vez conversa com ele e faz com que ele ouça”. (p.183).
Enrique Mandelbaum2 distingue a cena analítica com a de um equilibrista andando sobre um mínimo de fio de arame, neste caso ninguém duvida sobre a dificuldade e o treino que foi necessário nesta situação e
“Não é assim com a psicanálise. Observar a prática de um bom psicanalista, o comentário que ele eventualmente faz numa sessão, a postura que adota diante da fala do paciente etc, não permite vislumbrar o seu treino pessoal. É como se a prática obrigasse o despojamento dos próprios conteúdos adquiridos na formação. Estes não podem ser manifestados `a maneira de etiquetas enunciadoras de competências pessoais” (p.140)
Ou seja, por mais tentador que seja explicar para o leigo que o que você faz não é “ganhar dinheiro só pra escutar as pessoas e bater papo” é necessário um abandono dos ideais narcisistas dentro da cena analítica com o seu analisando.
Um calar sobre si, pois só podendo abster-se de saber antecipadamente sobre o analisando que propicia um dizer e um saber dele, possibilitando o surgimento do saber insabido, vindo de sua própria enunciação.
2a Razão
“Porque permite que os laços libidinais do analisante provocados pela minha presença me contornem, sem que me emaranhe nestes fios, dando subsidio de fazer semblante da transferência.”
O discurso do analisante, ao procurar o enigma de seus sintomas, presta-se a expor e transpor a sua transferência atualizando ativa e passivamente no analista a sua maneira de produzir laços libidinais, se fazendo e fazendo no analista objeto deste. Parafraseando Dominique Fingermann3:
“Trata-se para o analista de saber aproveitar-se da ocasião oferecida pela transferência do sujeito para fazer uso desta, implicando-se na estrutura do sujeito, sabendo manter aí seu lugar. Essa manutenção da posição “desejo de analista”, a despeito da demanda do sujeito vai, de fato, produzir um corte, um certo espaçamento, um intervalo, uma descolagem, uma descontinuidade com o intuito de esvaziar o sentido complementar que dá o enredo neurótico”.
O analista é convocado pela transferência a fazer relação com a pulsão, satisfazendo-a, colaborando com a fantasia, e a partir deste lugar, endereçado a ele, que o analista frustrar a demanda, relançando o sujeito a sua verdade, sem que isto remeta ao objeto que que o analista foi em sua estória, a ficção que ele fez de sua novela familiar.
3a Razão
“Porque para que aconteça o ato analítico é necessário uma renuncia do meu saber e do meu ser;”
O ato está presente desde o começo da análise, tanto da parte do analisante quanto da parte do analista, se de um lado o ato foi de decidir-se a ingressar a psicanalise e procurar um psicanalista, a partir do momento em que se engaja na análise, institui-se um fazer, cujo suporte e autorização são dados pelo ato do analista.
Ato analítico, diferente da ação, tem dimensão significante, e ele só “toma seu valor, sua articulação de ato significativo com relação ao que Freud então introduz como inconsciente, certamente não é porque ele se apresente, se coloque como ato. É exatamente ao contrário. Ele está lá, como atividade, mais que apagado e, como diz o interessado, atividade para obturar um furo que só está ali se não pensa nele, à medida que não se importa com ele, que só está onde se exprime, por toda uma parte de suas atividades, para ocupar as mãos supostamente distraídas de toda a relação mental, ou bem, ainda, esse ato vai colocar seu sentido precisamente no que trata de atacar, de abalar, seu sentido ao abrigo da inabilidade, da falha”. (p.33).
Percebe-se no texto de Lacan que o ato opera somente quando não se pensa nele, ocupado por mão supostamente distraídas na relação mental e que no final produz efeito divisão.
O ato analítico é aquele operado pelo analista, na e pela transferência, que promove um corte que rompe o circuito da repetição que aliena o sujeito no lugar de objeto, produzindo uma descontinuidade e continuidade transferencial na qual o sujeito tenta enrolar o analista.
E para que este corte que produz o efeito de linguagem na divisão como sujeito opere é necessário que, o que eu nomeei neste trabalho como a razão 1 e 2, estejam presentes na cena analítica.
Em outras palavras, é necessário que na cena analítica o analista abstenha de seu saber e do seu ser e para que esta função seja plenamente ocupada, no qual envolve este abandono narcísico do saber, deixando em reserva o intenso trabalho teórico, para ser objeto causa de desejo para que a pulsão o contorne este lugar vazio em que o sujeito do analista desaparece.
É somente porque houve o efeito desta experiência com o seu inconsciente que se torna possível estas renúncias.
4a Razão
Porque o desejo de ser analista é diferente do desejo do analista.
O desejo consciente de querer ser analista é diferente do desejo do analista, produzido no final de análise.
O desejo de ser analista tem haver com a transferência com a psicanalise, com o significantes garantia da verdade deixado por Freud e que tem com os seus continuadores, os analistas, o suporte de uma transferência com a verdade.
O desejo do analista é o que sustenta a clínica de um analista.
Desejo do analista não pode ser concebido como um desejo pessoal do analista, mas como uma função, ou seja, desejo para que haja analise e que portanto, surja o desejo, sem que se esbarre na inversão de papeis em que aparece o querer do analista endereçado ao analisando. “É isso que torna delicada a posição do analista que está no meio, onde está o vazio, o furo, o lugar do desejo” (p.69)
Laurence Bataille4 aponta o engodo que muitas vezes o eu do analista entra em cena sob o nome de “desejo de analista” :
“Cada vez que atribuo uma intenção ao paciente, um pensamento que ele não diz, estou fora da posição de analista. Cada vez que me sinto visada como sujeito pelo paciente, estou fora da posição de analista. Cada vez que tenho que representar algo para o paciente, nem que seja representar um analista, estou fora da posição do analista. A cada vez isto deve prevenir-me de que não é meu desejo de analista que está em jogo”.
Ao ocupar esta função, o sujeito do analista desaparece, pois houve uma mudança em sua posição que permite uma disponibilidade para o inesperado, para o real sem sentido.
O ato analítico é sustentada pelo desejo do analista que promove este “giro” que consiste do analisando remeter a sua fala ao analista e se escutar, em seu discurso, produzindo um efeito de sujeito nele. Parafraseando Lacan no Seminário 15, “O Ato Psicanalítico”
“O ato psicanalítico suspende tudo o que até então tenha sido instituído, formulado, produzido como estatuto do ato, à sua própria lei”. (p.63)
Mais para frente faz uma passagem que resume todo este percurso que tentei falar aqui hoje:
“O ato psicanalítico consiste essencialmente nesse tipo de efeito de sujeito (…): o sujeito dividido, o $, à medida que está aí a aquisição do efeito de sujeito ao final da tarefa psicanalisante, é verdade que, qualquer que ele seja e seja qual for o pretexto pelo qual ele se tenha engajado, é conquistada pelo sujeito, é por exemplo, para o sujeito mais banal, aquele que chega com a finalidade de conseguir alivio: eis meu sintoma, agora tenho sua verdade, quer dizer que é na medida que eu não sabia tudo de mim, é na medida em que há algo de irredutível nessa posição do sujeito que se chama, em suma, e é precisamente denominável: a impotência de saber tudo, que estou aqui e que, graças a Deus, o sintoma que revelava o que fica mascarado no efeito de sujeito ressoa um saber, o que há de mascarado, eu tive o levantamento disso, mas seguramente não completo. Algo perdura de irredutivelmente limitado neste saber. É ao preço – já que falei de distribuição – de que toda análise se fez o suporte, o objeto a à medida que ele é, foi e permanece sendo estruturalmente a causa dessa divisão do sujeito (…) no efeito de transferência (…) a medida que na relação analítica elas foram distribuídas aquele que é seu parceiro, o pivô e, em suma, o suporte, como disse na ultima vez, o instrumento, que pode se realizar a essência do que é a função do $, a saber a impotência do saber.” (p.218).
Enfim, para que possa suportar (no sentido de dar suporte) este esvaziamento do saber, sustentando a transferência, norteado pelo desejo do analista foi necessário o percurso de sua análise. O analista passou pelos efeitos de seu inconsciente produzidos pela analise que pode permitir que seja instrumento, ou como diz pivô, para que estes efeitos aconteçam com o analisando.
Como diz Lacan:
“Começar a ser psicanalista, todo mundo sabe, é algo que começa no fim de uma psicanálise (…) Chegou-se ao fim uma vez, é aí que é preciso deduzir a relação que isso tem com o começo de todas as vezes” (p.83).
Autora: Michelle Hattori Fuziy
1 FREUD, S ““A questão da análise leiga” In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de S Freud. Vol XX Ed Imago 1926.
2 MANDELBAUM, Enrique “Notas sobre a formação em psicanálise” In: Diálogos sobre a formação e a transmissão em psicanalise. Ed Zagodoni 2013.
3 FINGERMANN, Dominique. A análise dos analistas. J. psicanal. [online]. 2008, vol.41, n.74 [citado 2013-11-08], pp. 131-139 . Disponível em: . ISSN 0103-5835.
4 Bataille, Laurence input Costa, Teresinha. “ O desejo do analista e a clinica psicanalítica com crianças”. Psicanalise & Barroco e, revista v7 n2: 86-102, dez 2009.
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