RELAÇÃO DE OBJETO E AS VIAS PERVERSAS DO DESEJO

Por: Maria de Fátima Oliveira
A relação de objeto concerne a uma posição subjetiva e ambígua entre o natural e o simbólico, que baliza o desejo desde a amamentação, vista uma posição natural do feminino; embora, não se defina um sujeito feminino pela ótica do corpo biológico, uma vez que o sujeito é instituído pela linguagem, o que por meio desta enoda o sujeito numa instituição entre real, o imaginário e o simbólico. Tal visão retira a mulher do encargo de responder sua posição no mundo em resposta ao corpo biológico, em que pese, a homossexualidade feminina transite no simbólico. Assim, para discorrer acerca do tema relação de objeto, proponho a articulação entre os seguintes textos: A jovem homossexual, O caso Dora e bate-se numa criança.
Freud em 1923, em “a organização genital infantil”, discorre sobre a organização fálica, afirmando que essa organização atinge tanto o sexo masculino quanto o feminino acerca de ter falo ou não, mas aquele que é desprovido dele equivale a ser castrado. Em 1931, Freud para resolver esse debate sobre a questão fálica na menina, refere que ela quando entra no Édipo começa a desejar o pai como substituto do falo faltoso, e a decepção de não receber o falo do pai, faz com que ela volte atrás com sua identificação a ele e retorna a direção feminina. Diz também que inconscientemente institui uma privação de menina desejada, por meio do debate edípico. Já na visão de Lacan, o falo entra em jogo ao alcance daquilo que foi dito, e o modo que o sujeito lida com o que foi instituído gira em torno do simbólico respectivo à experiência vivida e articula-se inclusive com a problemática dessa vivência. Porém, o que prevaleceu da fase fálica tem-se o efeito da frustração, instituída no campo do inconsciente, assim como suas resoluções estruturais. Mas a frustração só tem função a partir da vivência do sujeito na fase de castração articulada com a privação, em que necessita também da frustração como uma condição para o sujeito lidar com a castração pela via da frustração, visando a privação como uma representação, que não tem relação com o concreto uma vez que articula – se no simbólico. Vale dizer, que a frustração é a falta de objeto e não privação. O que faz menção à frustração incide naquilo que o sujeito foi privado, a partir de uma demanda dirigida a alguém que faz parte do jogo – é a privação ou atendimento do pleiteado que enoda ao valor conferido ao sujeito pelo Outro. Nessa dialética, entre satisfações e decepções, no momento em que o sujeito entra na ordem simbólica, entra
também na ordem da dívida, a partir do vivenciado em que inaugura o sujeito na cadeia significante e ordena seu posicionamento. A psicogênese de um caso de homossexualidade feminina reporta à articulação desses elementos.
À saber, inicia-se com o caso da jovem homossexual em que Freud começa com as entrevistas preliminares, lida com as resistências, com a sensação que nada está operando; em contra partida, vê o que se passou e põe em evidência algumas etapas. A primeira delas é que para a jovem o seu irmão mais velho não tinha objeto fálico, até ali a menina nunca foi neurótica, não mostrou sintoma histérico e nada de patológico em sua história infantil. Mais tarde, uma posição singular que ela ocupa diante de uma mulher um tanto destituída socialmente e após o desenlace entre ela e essa dama, vai levá-la à consulta com Freud. Contou a Freud que certo dia seu pai a viu passeando com a dama e lhe lançou um olhar reprovador. A dama ao saber que o pai da jovem ficou aborrecido, disse a jovem que não se veriam mais. Então, a jovem se joga numa ponte de uma linha férrea, cai, tem algumas fraturas, mas não morre. Apesar dela apresentar um desenvolvimento normal até 13/14 anos, nos moldes de uma mãe por cuidar de uma criança de amigos da família, inesperadamente, começa frequentar mulheres qualificadas como maduras, o que para Freud seria tipos de substitutos maternos, em que a partir da orientação normal do sujeito leva a menina ao desejo de ter um filho do pai. Assim, Freud diz que o sujeito deve conceber a crise originária que o fez engajar no sentido oposto. Houve uma inversão subjetiva, em que Freud tenta articular como decepção relacionado ao objeto de desejo, que se traduz por uma inversão da posição do sujeito, pois ele se identifica com este objeto, o que equivale a uma regressão ao narcisismo. E o que opera nessa posição de inversão é que por volta dos 15 anos, a menina se engajava no caminho de tomar posse da criança imaginária – sua mãe tem outro filho, um terceiro irmão. Para Freud é aí que está o ponto chave, uma vez que é na chegada de um irmão que precipitou uma inversão na orientação sexual da menina em questão, pois coincide com o momento que ela muda de posição, considerado por Freud fenômeno como reativo, supondo que a jovem continua ressentida com o pai, uma vez que se mostra agressiva a ele.
Freud interpreta que a tentativa de suicídio ocorre após a decepção produzido pelo objeto de seu apego, ou seja, a dama que se opõe a ela. Logo, a agressão dirigida ao pai, nesse ato simbólico, ao cair da pequena ponte, reflete o niederkamnen de uma criança no parque, ou seja, traduzido do alemão “o que foi posto para baixo”. Embora para Freud foi um caso em que a resistência não foi vencida, uma vez que ela manteve sua posição subjetiva e não
conseguiu ir muito longe com o tratamento desta jovem, articula sobre o amor idealizado que a coloca à disposição da dama, tida uma referência e uma atração sentida para não satisfação como instituição da falta na relação com o objeto. No entanto, este caso ilustra o funcionamento que categoriza a falta de objeto. A crise ocorre por que intervém o objeto real, pois a criança é instituída no plano simbólico, não mais imaginária que o filho lhe seria dado e dado a outra, no caso à mãe, e o fato de objeto real materializado pela falta de ser sua mãe quem a tem a seu lado, a conduz no plano da frustração. Com efeito, seu amor cortês entra em questão a saber que o que é buscado na mulher é o que falta a ela, que concerne ao falo, o objeto em questão. Para Lacan, a constituição do sujeito está engendrada com a inscrição da falta, intrínseco a perda do objeto, que inaugura o sujeito no universo da falta, desejo e finitude. Ainda em Lacan (1957-58/1999; pag. 198), tem-se a primazia do falo instituído no campo do simbólico por meio da linguagem e introjeção da lei, que se anuncia o incesto e insere-se uma lei que ultrapassa a relação falo- mãe- criança.
Seguindo pelas vias perversas do desejo temos os três tempos do Édipo: 1º privação; 2º frustração; 3º castração – são os tempos edípicos que Lacan faz menção aos três tempos da inscrição da falta – e o primeiro tempo do Édipo compõe a posição de objeto de desejo da mãe ocupada pela criança, a qual, de acordo com o desejo da mãe, busca ser o próprio falo a partir da construção fantasmática do assassinato do pai. Deste modo, o pai não aparece, mas de maneira velada o pai simbólico surge como um significante, “nome do pai”, com a função de fundar a lei no Outro, que visa substituir o significante materno, o qual interdita a mãe e insere o sujeito na cadeia significante a partir da produção da metáfora. Nesta via, instaurado na ordem simbólica, a castração barra o gozo absoluto e engendra o desejo, instituindo no sujeito uma frustração imaginária na relação ao objeto da mãe. Temos então a primeira etapa fálica, em que insere a metáfora, em que Outro se organiza no lugar de simbólico com a lei do desejo.
No segundo tempo do Édipo, remete a mãe à lei conforme o pai imaginário, com a função de barrar a mãe, constituindo seu discurso por meio da lei simbólica. Assim, a lei já inscrita é tida a partir do discurso em que o pai fora excluído, mas à medida que a mãe é privada de manter a criança em posição de objeto, o sujeito (criança) submete-se a onipotência do pai, onde se ergue hipoteticamente em onipotência diante do desejo materno.
Já o terceiro tempo a castração e privação podem dizer de um pai potente, uma vez que o sujeito castrado, por meio do suposto detentor do falo, se abre a partir do ideal do eu, e conferido pelo valor simbólico inscrito no primeiro tempo se intercambiam entre pai real e pai
imaginário – castrador e privador, conforme o sujeito atravessa do segundo tempo para o terceiro tempo, ele, privado de ser o falo da mãe – sustenta-se o pai real. Para Freud (1933-1996) o sujeito conduz a uma saída ideal instituído como uma figura de autoridade, pois para não perder o amor do pai diviniza-o. Mas Lacan, (1959/1960 – 1997) vai dizer que esse pai imaginário é ele e não o pai real que é o fundamento da imagem providencial de Deus.
Contudo, para articular a falta do sujeito a partir dos casos de Freud, com a reformulação de Lacan acerca da instituição da falta e com o texto bate-se numa criança, Freud diz da fantasia, cuja função é substituir por uma série de transformações outras fantasias, as quais se compreendem na evolução do sujeito, bem como estrutura subjetiva e situar o que revela o fenômeno. Logo na primeira fantasia, ainda em Freud, quando o sujeito assume a seguinte forma, “meu pai bate numa criança que é a criança que eu odeio”, concerne a uma fantasia que faz menção a história do sujeito em que aparece a irmã ou o irmão como um rival, em que pela presença ou pelos cuidados, frustra a criança da afeição dos pais, em especial o pai. Nessa via, trata-se da menina já constituída pelo complexo de Édipo, nesse caso o pai ocupa uma posição primitiva, num enredo que comporta três personagens.
Para Lacan existe o agente da punição, existe aquele que se submete a ela e existe o sujeito. “Aquele que se submete é, nomeadamente, uma criança que o sujeito odeia, e que ele vê, desse modo, despencar da preferência parental que está em jogo, enquanto se sente, ele próprio, privilegiado pelo fato de que o outro despenca dessa preferência” (LACAN, 1956-1957/1995 PÁG. 117)
Nessa dimensão temos três implicações: primeiro, bate no outro por medo de eu não acreditar que o prefiram a mim. O que já faz referência ao terceiro sujeito, na medida em que o sujeito tem que acreditar ou inferir alguma coisa sobre um certo comportamento que se dirige ao objeto segundo, ou seja ao irmão, já que é em detrimento a ele que o sujeito confere seu desejo de ser amado ou preferido.
Na segunda etapa: “eu sou espancado por meu pai”, enquanto a primeira fantasia é uma fantasia que encerra uma organização, uma estrutura que põe ali um sentido, na segunda etapa, mesmo que ambígua, Freud refere à essência do masoquismo, pois encena que o sujeito participa da ação daquele que o agride e o golpeia. Essa estruturação perversa se compreende no processo em articulação com o complexo de Édipo. Nesta via, o sujeito encontra seu estatuto de objeto, de carácter egóico correspondente ao seu desejo engajado nos trilhos imaginários que formam o que se chama de suas fixações libidinais.
No caso da jovem homossexual, ali pelos seus 13, 14 anos, valoriza um objeto que é uma criança de quem cuida, ligada pelos laços de afeição. Aos olhos de todos, é tida como uma garota bem orientada pelo que é esperado, uma vocação à maternidade. Nesse entendimento, ela produz uma espécie de inversão ao interessar-se por objetos de amor pelos significantes da feminilidade. Apaixona-se por uma dama, na qual investe a amada por meio de uma elaborada atitude masculina e sem exigência característica de uma relação amorosa. Essa dialética subjetiva, que concerne ao ter o falo, é tida como algo inconsciente a partir do que foi escrito, ou seja, a castração, o que no caso do perverso é desmentido. Nessa via, como um mecanismo de defesa, a jovem homossexual, pela via do real imaginário e da dialética simbólica, toma o falo como um elemento imaginário, o que na fantasia assume como dom daquilo que tem. Nesse ponto, Freud afirma ser o que inaugura a menina no complexo de édipo. Para ele, a menina na primeira fase do édipo se liga ao fato de que o pênis que ela deseja é a criança que ela espera receber do pai, como um substituto, o que na jovem homossexual trata-se de uma criança real. A menina cuida de uma criança que está em jogo.
Gráfico Mãe imaginária Criança real
Pênis imaginário Pai simbólico
A criança é para ela substituição fálica que se constitui sem saber a mãe imaginária, assim frustrada pelo pênis imaginário num nível menor. Essa frustração originária põe o sujeito em posição de objeto, pertinente ao seu próprio corpo. Segundo Freud, a jovem homossexual ama como homem por estar numa posição viril.
Gráfico. Criança Dama real
Pai imaginário Pênis simbólico
Onde era mãe imaginária, temos a criança. Em a’ está a dama, objeto de amor que substitui a criança. Em A não barrado, o pênis simbólico é o que está para além do amor, com efeito, está para além do sujeito, justamente o que ela não tem. Se a dama é amada, é na medida em que ela não tem o pênis simbólico, produzindo, assim, uma permutação que fez passar no imaginário para o par simbólico, por identificação do sujeito na função do pai.
Assim, na primeira estruturação simbólica imaginária, equivale pênis imaginário – criança, instaura o sujeito como mãe imaginária, com referência a este mais além que é o pai. Por meio desta função simbólica, pode dar o falo. Quando o pai ‘’intervém do real para dar uma
criança a mãe, ou seja, fazer dessa criança diante de quem o sujeito está em relação ao imaginário da criança real” (LACAN, 1956 -1957 /1995, PAG. 135).
Algo se institui onde ela não se sustenta, mas na posição imaginária. O que passar para o segundo tempo, pela intervenção do pai real no nível da criança frustrada há uma transformação na lógica a partir do pai imaginário, a dama, o pênis simbólico, como uma inversão em que a relação com o pai também se relacionava com a ordem simbólica ao mesmo tempo que se desloca no sentido imaginário, onde se tem a projeção inconsciente do que concerne ao primeiro tempo, uma relação perversa, numa relação imaginaria, a saber sua relação com a dama. Temos então o terceiro tempo.
Gráfico. Criança Dama
Pai imaginário Pênis imaginário
Para terminar, tanto no caso Dora quanto da jovem homossexual, temos os mesmos personagens. O pai, o filho e uma dama, e é em torno da dama que gira a inversão. Dora também faz identificação com o personagem viril, e ela por intermédio do senhor K., e na medida em que ela é o senhor K., nesse ponto imaginário, a partir dessa identificação se liga a senhora K. Esse fato ocorre porque seu pai é um homem impotente; assim, toda dialética está na impotência do pai, fazendo referência à falta fálica. Então, a criança é frustrada, onde a mãe intervém noutro aspecto – ela dá ou não dá. Nessa dialética, em que a mãe na medida que o dom é signo de amor, o pai atravessa como falo faltante, fundamental constitutiva da posição do sujeito em questão. Por outro lado, o dom é dado por nada, nada é o imaginário dessa troca, mesmo que seja pelo interesse é também pura gratuidade. Por detrás do que se dá existe tudo que lhe falta. Dora ama seu pai, precisamente pelo que ele não dá, assim o desejo se dá a partir de falta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, S. (1996). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
______ (1914) “Sobre o narcisismo: uma introdução”. v.XIV, p.77-110.
______ (1923) “O ego e o id”. v.XIX, p.15-82. (1926) “Inibições, sintomas e angústia”, v.XX, p.81-174.
_____ (1930) “Mal-estar na civilização”, v.XXI, p.73-150. (1933) “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”, v.XXI, p.63-84.
LACAN, J, (1956-1957/1995) O Seminário livro 4, A relação de objeto.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
_____ (1957-1958/1999) O Seminário livro 5, As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
_____ (1959-1960/1997) O Seminário livro 7, A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
_____ (1963/2005) Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
_____ (1969-1970/1992) O Seminário livro 17, O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
______ (1973/1993) O Seminário, Livro XX, Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Quintella, Rogerio. O desmentido da privação na atualidade- PDF (PPGTP/UFRJ). Rio de Janeiro, abril 2018.