Muitos podem ter pensado – Não é só castração, há a
denegação e a foraclusão – e afirmo a vocês que a resposta para essa pergunta
não reside no âmbito das formas de negações do Édipo.
Pretendo abordar neste trabalho as proposições de Lacan
acerca das noções da relação da falta de objeto.
No momento em que pensava como seria este trabalho final, me
confundia em textos já lidos, como se alguns conteúdos tivessem sido
completamente apagados da minha memória.
Quero dizer, que eu já havia tido contato com essa
proposição de Lacan sobre a relação da falta de objeto, constitutiva do
sujeito, mas este contato foi por textos intermediários e não propriamente pela
leitura do Seminário 4. Em 2013, realizei a leitura do livro “Introdução à
psicanálise de crianças: o lugar dos pais”, de Michele Roman Faria, no qual ela
retoma as três formas, propostas por Lacan, da relação de falta de objeto: a
privação, a frustração e a castração.
No entanto, eu esqueci totalmente de dois modos em relação à
falta de objeto. E em 2014, envolvida com a leitura do Seminário 4, em uma das
reuniões de Cartel, cheguei a afirmar que era a primeira vez que lia sobre
privação e frustração – Sempre li sobre a castração – Ai ai estava eu enganada!
Sabemos que o inconsciente é soberano, portanto eu não
poderia deixar de mencionar aqui sobre esse esquecimento. Arrisco a dizer a
partir disso, que fazer psicanálise não está somente no âmbito de ler e
estudar, se trata sim, de uma experiência com a psicanálise. Então, que fique
claro, a minha experiência de esquecimento a respeito de duas das três formas
da falta de objeto e por isso, o meu interesse em falar sobre elas.
Com as atividades da ALPL e com o estudo do Seminário 4,
percebi que meu conhecimento sobre a constituição do sujeito estava limitada à
teorização do Complexo de Édipo (interdição do incesto e castração), o Estádio
do Espelho e Narcisismo.
E o que mudou com a leitura do Seminário 4?
A mudança está no fato de que há de se considerar as formas
pelas quais se estabelecem a relação de objeto, ou melhor, a relação com a
falta de objeto: frustração, privação e castração. Conduzirei minha escrita
pelo caminho de abordar a noção dessas três formas.
Lacan, no momento em que fala sobre essas formas, nos diz:
“Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir
de uma noção da falta do objeto como central. Não é um negativo, mas a própria
mola da relação do sujeito com o mundo” (Lacan, 1956-57/1995, p.35).
Ele toma o cuidado de retornar a Freud ao tratar do objeto,
há de se atentar que o objeto é sempre perdido e que sua redescoberta é sempre
insatisfatória.
Com a proposta de articular as formas da falta de objeto ao
objeto (falo e seio) e suas dimensões (Real, Simbólico e Imaginário), Lacan
apresenta um quadro, no qual se pretende relacionar a dimensão do agente Pai
(Real/Imaginário) e Mãe (Simbólica) (Lacan, 1956-57/1995, p. 59).
Nessa relação, sigo com a noção de castração, sendo este um
dos modos de relação com a falta de objeto. Está ligada a ordem simbólica, a
noção da lei. E nos remete a pensar no arcabouço freudiano e sua teoria do
Complexo de Édipo. Articulado a isso, temos com a leitura lacaniana, o
entendimento de que o objeto (falo) está localizado no plano do Imaginário, a
interdição imposta na figura do agente-pai (Real) cujo modo da falta de objeto
se dá no Simbólico e nos diz como cada sujeito lidará com sua falta-a-ser.
Em seguida a outra noção, a frustração, na qual o modo da
falta de objeto está ligada a dimensão Imaginária e que segundo Lacan
(1956-57/1995), está ligada a experiências pré-edipianas, em uma relação com o
objeto real, o seio materno, tem como agente, a mãe, no campo simbólico. A
frustração opera, diante de uma recusa da mãe, uma recusa não do objeto de
satisfação (seio) e sim uma recusa do dom (amor) “(…) na medida em que o dom é
símbolo do amor” (Lacan, 1956-57/1995, p.184)
Existe, então, uma dialética de presença e ausência – ora a
mãe está presente com o objeto de satisfação (seio)/dom (amor), ora está
ausente e veja que de alguma forma, enquanto agente, a mãe está, porém sem o
objeto símbolo de amor.
Sendo assim, “(…) com a noção de frustração introduz-se no
condicionamento, no desenvolvimento do sujeito, todo um cortejo de noções que
se traduzem numa linguagem de metáforas quantitativas – fala-se em satisfação
(…) – ou, ao contrário, carência (…)” nos diz Lacan (1956-57/1997, p. 62). A
criança neste momento já está imersa na ordem simbólica, vejamos o que diz
Lacan (1956-57/1995, p.184): “Isso quer
dizer que ela já está totalmente engajada, o que implica a existência da ordem
simbólica”.
De maneira a tentar alcançar essa noção pensei no exemplo
freudiano, citado por Lacan, o jogo do “Fort-da” em que a criança lança o
carretel para longe e sobre a cortina de seu berço – sem condições de vê-lo – o
traz de volta, para perto, vocalizando o som do “oooo-daaaa”. A metáfora está
aí colocada no jogo dessa criança, ou seja, há a presença e ausência do
carretel, sendo possível compreender a presença da metáfora (jogo/vocalização)
ausência e presença da mãe.
Há nesse modo de falta de objeto, frustração, uma realidade
de falta (objeto/seio) imposta, que se articula a um agente simbólico
(mãe-ausente/presente), ligada a questão do dom, ou melhor, como já disse do
objeto de amor.
Muitos são os exemplos clínicos trabalhados por Lacan para
dizer sobre as formas singulares manifestadas pelos sujeitos em relação à
frustração, quero dizer com isso, que não há uma receita para apreender na
clínica a manifestação do modo pela qual a frustração se dá. Assim, os casos
aqui mencionados, apenas ilustram essa
forma de falta de objeto, para aquele sujeito em particular.
Lacan discorre acerca de um caso atendido por Freud, da
jovem homossexual, em que certo momento de sua história, esperou receber uma
criança, e ele nos diz: “Uma criança é dada pelo pai, é verdade, mas justamente
a outra pessoa, e a alguém que lhes é mais próximo” (p.110), ou seja, é dada
uma criança à mãe.
Vejam só, ele trabalhou com a singularidade desse sujeito,
diante da relação da falta de objeto real (criança) cuja posse é de sua mãe,
podemos ver com as palavras de Lacan que: “A presença da criança real, o fato
do objeto ser aí, por um instante, real, e de ser materializado pelo fato de
ser sua mãe quem o tem a seu lado, vai conduzi-la ao plano da frustração”
(1956-57/1995, p.110).
A frustração é então, uma forma de falta de objeto, que
envolve para além do agente (simbólico) o objeto real identificado ao dom, o
que permite ao sujeito fazer apelo ao que lhe falta. Como havia dito no começo,
a experiência com a psicanálise segue para além dos estudos, a análise pessoal,
o cartel, os estudos e a supervisão proporcionam tal experiência e conto a
vocês uma parte da minha.
Em uma dada sessão, logo no início, peço a minha analista um
outro horário, para a semana seguinte, devido a impossibilidade de estar na
próxima sessão e digo “é porque não quero perder o horário da semana que vem”.
Ela me interroga a respeito do significante perder e sigo falando sobre ele, ao
final da sessão ela me diz “você me pede para não ter uma sessão” e encerra o
atendimento com a pontuação de que não atenderia o meu pedido de um outro
horário, saí desapontada e me questionando, como ela poderia me negar uma
sessão?
Na mesma semana, em estudo no dispositivo de Cartel, minhas
colegas mencionam uma frase escrita por Lacan em uma de suas aulas, e leio para
vocês a frase: “Eu te peço para recusar-me o que te ofereço – porquê: não é
isso”. Aqui ficou evidente para mim que fazer psicanálise é ter uma
experiência, no plano da vivência, de experimentar os efeitos que ela tem. O
ocorrido na minha sessão de análise estava ali no plano da frustração, ou seja,
estava eu ali oferecendo um pedido para não lidar com aquilo que me falta,
experimentei ali uma falta imposta e marcada (falta real/sem sessão) mas, sobre
a qual, me sentia autorizada a apelar que fosse concedida outra sessão para não
perder/não faltar.
Para continuar, sigo com mais uma apresentação de Lacan,
sobre a frustração, diante de uma caso de anorexia: “(…) não é um não comer,
mas um comer nada (…)” e “(…) Nada, isso é justamente algo que existe no plano
simbólico”(p.188).
Mais uma vez a linguagem está imposta ai, no modo singular,
em que cada sujeito se posiciona frente a falta de objeto.
Sobre a noção de privação, modo de falta de objeto, ligado
ao ordenamento do Real, o pai (agente) aparece como privador, se trata de um
pai (Imaginário), que age sobre um objeto (simbólico), a saber, o falo
(Simbólico). (Lacan, 1956-57/1995).
A privação marca uma falta à criança justamente por aquilo
que supostamente a mãe teria e que com a ação do pai faz com que, o interesse
da mãe por este, fique evidenciado, e revela que a ela também falta o falo.
Para ilustrar, Lacan, faz analogia com um livro de uma
biblioteca, o qual não é encontrado na estante em que está referenciado no
catálogo, ou seja, o livro pode ser identificado e procurado na biblioteca, mas
se ele estiver sendo usado por outro, ou ainda estiver no setor de devolvidos,
a biblioteca estará privada do livro. Isso consiste em dizer que o simbólico (a
organização da biblioteca está antes formulada) e depois a falta (do
livro/real). “Quando digo que, em se tratando da privação, a falta está no
real, isso quer dizer que ela não está no sujeito. Para que o sujeito tenha
acesso à privação, é preciso que ele conceba o real como podendo ser diferente
do que é, isto é, que já o simbolize” afirmou Lacan (1956-57/1995, p.55-56).
Tendo discorrido sobre as três noções da falta de objeto,
percebo que neste Seminário, Lacan, apontou que esses três modos de falta de
objeto operam ao mesmo tempo, mas que é preciso distingui-las, pois muitos
analistas interviram de forma equivocada por não reconhecer a diferença entre
as relações de falta de objeto.
Em suma, uso as palavras de Lacan: “Na castração, há uma
falta fundamental que se situa, como dívida, na cadeia simbólica. Na
frustração, a falta só se compreende no plano imaginário, como dano imaginário.
Na privação, a falta está pura e simplesmente no real, limite ou hiância real”
(p.54)
Exposto tudo isso e com a experiência de ter participado
desse Cartel e das atividades da ALPL, afirmo que a constituição do sujeito tem
que ser abarcada para além dos modos de negações do Édipo. Isso implica em
dizer que, a determinação de um sujeito se dá no campo da linguagem,
marcadamente pelas dimensões do Real,
Simbólico e Imaginário.
Autora: Marana Tamie Uehara de Souza
Referência
Bibliográfica
Lacan, J. (1956-1957). O seminário, livro 4: a relação de
objeto. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 1995.
Faria, M.R. Introdução à psicanálise de crianças: o lugar
dos pais. São Paulo: Hacker Editores: Cespuc: FAPESP. 1998.