Um analista?
Proponho trabalharmos da forma como trabalha um analista, buscando ouvir os desdobramentos possíveis a partir da enunciação do nosso tema de hoje:
Um analista?
Considero que primeiro podemos ouvir esta questão como a busca de uma definição: Um analista, o que é isso? Ou ainda, para que serve?
Também é possível ouvir esta interrogação como constitutiva de uma dúvida: Um analista? Isso é possível? Isso existe?
Sugiro ainda a possibilidade de nos atermos no artigo indefinido utilizado, que pode nos levar a: singularidade, particularidade, um e não qualquer outro, um e não todos, não uma categoria; mas pode também sugerir unidade, integridade, existência ontológica, remetendo a ideia de ser analista, da concretude desta condição e até mesmo de totalidade, um que forma um todo. E, nas duas vertentes, se a frase é interrogativa, abre-se a possibilidade de resposta afirmativa ou negativa, ou seja, afirmando ou negando a referida singularidade, o status de categoria e/ou a condição ontológica.
Digam se ouvem nesta formulação algo mais.
Na verdade, estes três desdobramentos se articulam. Vejamos como, partindo da primeira forma de ouvir: o que é um analista? Comecemos pelo que não é: não é uma profissão, não é uma ocupação, não é uma condição, muito menos um dom.
Diz-se que é uma função.
E aí podemos escutar pelo lado daquilo que se exerce, de um lugar que se ocupa ou que se sustenta. Então não se é analista (e aí a condição ontológica já é negada), se está analista, faz-se analista.
Bem, mas dizemos que somos psicanalistas, nos apresentamos assim. Tudo bem, não há mal em dizê-lo em nosso cotidiano, mas estamos falando daquilo que se passa na transferência, na situação analítica, ali um analista não é. Aliás, esta é uma formulação de Lacan: a única maneira de ser analista é não sê-lo. E que maluquice é essa? Antes responder esta maluquice, vamos agregar mais uma.
A partir desta palavra função, evocamos a matemática e dizemos: o analista é uma função matemática.
Vocês se lembram do que é uma função matemática? O essencial desta definição, que é comum a qualquer um dos tipos de função matemática, é a existência de uma relação entre duas grandezas, entre duas variáveis. Assim, se muda a variável independente, x, muda também a variável dependente, y. Só há função se esta relação existir, se y se mantém constante a despeito da variação de x, não há função. Vejam se definimos o analista como uma função, ele não é per se, ele está, ele se faz na dependência da existência de relação entre duas variáveis, a saber, o desejo do analista e a demanda de análise, ou seja, na dependência da transferência.
Juntando uma maluquice com a outra, “ser não sendo” significa o reconhecimento da não ontologia, não há analista por si mesmo, a sustentação deste lugar se dá na cena analítica, na transferência e na dependência do operador fundamental que é o desejo do analista.
Encaminhando as coisas desta maneira, o analista não existe (não há um ser aí) e também não forma uma categoria; mas embora não seja um ser singular, podemos afirmar a particularização desta função a cada vez que ela ocorra. Neste sentido o analista é sempre um com cada um dos seus analisantes.
Desta forma podemos também dizer que um analista está sempre em produção, nunca pronto, nunca terminado, nunca uma totalidade acabada.
Faço ainda uma última observação sobre a difícil tarefa de sustentar este lugar, um lugar de não ser, e aí também na direção já sabida por todos vocês: de dessubjetivação, de estar num lugar de falta de vazio, de semblante de objeto causa do desejo.
Evidentemente esta não é uma situação confortável, ausentar-se da condição de sujeito não é tarefa rotineira, não é nada fácil deixar de lado nossas convicções, pensamentos, afetos.
Gosto muito de uma observação feita por Isidoro Vegh em uma conferência, dizendo que o analista está em sua poltrona como que fritando, numa frigideira todo o tempo, queimando. Ninguém frita sem sentir dor, é dolorosa a posição do analista e para suportá-la, no sentido mesmo de sustentá-la, é necessário lançarmos mãos de dois dispositivos fundamentais: a análise pessoal e a instituição analítica.
Lacan afirmou que um analista se autoriza de si mesmo e por alguns outros. Como vimos, a produção de um analista é interminável e, embora a análise pessoal seja fundamental, ela não é suficiente.
O final de uma análise, que sabemos produzir um analista, nos permite suportar ser colocado na posição de a sem ser afetado por isso, pois sabemos que o desejo aí implicado não é nosso, não se refere a nós. Depois, a instituição ajuda a dar continuidade nesta interminável produção e é um espaço onde podemos dar provas de nosso saber e onde o reconhecimento dos pares ajuda a nos reconhecermos, facilitando a sustentação deste difícil lugar.
Autora: Zeila Cristina Facci Torezan
Trabalho apresentado no Fórum da ALPL – 25/03/2013