Agradecimentos
a todos presentes, aos colegas que vieram de fora e aos que passaram mais um
ano de estudos durante o ano de 2024 na ALPL.
A articulação deste tema é o resultado
do que eu construí no percurso das atividades da ALPL em 2024, a partir de um
comentário que eu fiz num dos grupos de estudos: “O analista se autoriza por
ele mesmo a partir de seu processo de análise”, ao que uma das
coordenadoras do ensino Zeila pontuou: ''é preciso umas voltas a mais, Fátima''. Diante disso, pode-se dizer que
sustentar a psicanálise posicionada no discurso do analista está para
além de se amparar no tripé entre formação
teórica, supervisão
clínica e análise pessoal, numa função autorizada por ele mesmo e por alguns
outros, mas há um savoir-faire com o inconsciente necessário para tal
função. Neste
sentido, vale pontuar que o avanço teórico é necessário justamente para não perder-se o limite entre o que um analista
precisa para construir seu conhecimento sem interferir no saber que é do
inconsciente –
único caminho para sustentar um processo analítico – inclusive deixando de fora o que o
sujeito trás como diagnóstico, até porque não é das ciências biológicas que se
trata a psicanálise,
nem tampouco esta implica em tratar alguns funcionamentos como
psicopatológicos, como por exemplo no caso das psicoses.
Cumpre articular um pouco a respeito do tema de eixo:
''O discurso do analista, hoje’', numa aposta que é o
inconsciente que fundamenta a psicanálise,
desde Freud e Lacan. Embora haja subversão da psicanálise por alguns
profissionais atualmente, vale lembrar que, a partir de 1930, alguns
psicanalistas que se mudaram para os EUA
fomentaram um movimento à implementação
do ego no viés capitalista, em que abandonam a pedra angular da psicanálise, o
inconsciente. Ainda que Freud e Lacan tenham
criado meios para manter-se um rigor técnico, a fim de dignificar o inconsciente,
temos visto muitos profissionais lançando mão da psicanálise com o intuito de
implementar seus trabalhos, nos quais surgem novos inventos, pautados no
imediatismo e no atendimento de demandas num plano ideológico. Quantos
analistas atualmente devem ouvir de algum analisante em algum momento do
processo: ''vou encerrar porque a análise é demorada e tenho promessas de outro
profissional que é mais rápido?’’. Enfim, são desafios para levar a psicanálise à sua dignidade enquanto tal.
Lembro-me da orientadora, em meu tempo acadêmico, dizendo: ''para ser analista é
preciso rasgar a carteirinha do CRP''. Ou ainda: ''a análise é um encontro de almas onde o ego fica
de fora…’'.
Avançando um pouco mais, o discurso do
analista, o objeto a, o Real e a angústia, entre outros, são os conceitos que
vou abordar para costurar o tema em questão. Começo evidenciando que o discurso do
analista, fundamentalmente lacaniano, é sustentado pelo inconsciente, assim
como o semblante de a como posição do analista, e não no euóico – enquanto atitude que infere no
desejo de ser analista centrado no ego. Sustentar o discurso do analista
é a capacidade de se colocar na posição de objeto para provocar o desejo do
outro, assim como levar o analisante a se implicar em seu processo analítico. Tal posição é um operador de uma possível ”desmontagem” – termo que Lacan aplica
ao falar da pulsão no seminário 11 – que diz de um afastamento do objeto a
como causa de desejo no plano das identificações. Neste capítulo, Lacan aborda uma referenciação necessitada
por todas as voltas, de conceito e de práticas que nos permitem a aquisição de
experiência analítica.
“Essa
topologia visa fazê-los conceber onde fica a, o ponto de disjunção e de
conjunção, de união e de fronteira, que só pode ser
ocupado pelo desejo do analista”.
O discurso do
analista, conceituado em 1969 e proferido em Milão em 1972, nos dá quatro giros
dos discursos: na equação em posições transversalmente opostas; o discurso do
analista é o avesso ao discurso do mestre e está sob a forma de objeto a, fazendo
semblante de objeto causa do desejo. Para ele, “o discurso analítico só se sustenta pelo enunciado como impossibilidade da relação
sexual”. Na página 26 do Seminário 11, ''Os 4 conceitos Fundamentais da Psicanálise’’, Lacan explana sobre as diversas formas do objeto a com a
função central e simbólica do menos Fi (-?): trata-se do percurso do analista em sua própria análise para que ele aposte no
inconsciente e na impotência como causa e encaminhe a análise com a intenção de
sublimar, ou melhor, elevar o objeto a à dignidade da coisa, ou seja,
suportar a perda de gozo e passar para o mais de gozar.
Ainda, no seminário 17, ''O avesso da Psicanálise’', Lacan,
quando trata dos quatro giros dos discursos, reitera que a posição do mestre
entre o S1 e o S2 se funda no saber que opera como uma forma de gozo. Logo,
deixar de fora a posição de saber é preço a ser pago por parte do analista, considerando que
a transferência se articula pela via do inconsciente, desde Freud, assim como
acontece num campo em que ela só vai operar se o analista retirar-se do lugar
do mestre.
Continuando com as
pinçadas e pinceladas entre os conteúdos discutidos durante o ano, embora a
função do analista seja uma função sustentada no objeto a, é no ''des-ser'' que o analista é
poupado de afetação, pela
''descristalização'' do imaginário como uma das respostas do processo de
análise,
assim como liberto da ideia de uma existência ideal ou da embriaguez no desejo
de cura como investimento no bem estar do analisante, pois encobrir o mal estar
pode comprometer a análise a ponto de tapar os ouvidos do analista. Tal função não é para atribuição de um status;
Lacan compara o lugar do analista a uma lixeira, conforme anota no livro
''Outros Escritos’',
“É nesse sentido que o atributo do não- psicanalista é o garante da psicanálise, e que de fato desejo não-
analistas, que pelo menos se distingam dos psicanalistas de agora, daqueles que
pagam por seu status de analista com o esquecimento do ato que se funda”.
(Lacan, 1901-1981 p. 277).
Lacan infere também que o semblante de
a é posição onde ele está amalgamado no estádio de espelho a partir do sujeito
ser cortado pela linguagem, onde instaura-se a falta e funda-se o sujeito
barrado. Essa ''barra'' está
entre o eu e o inconsciente como marca de um significante que funda uma
estrutura em que o Outro o define enquanto tal, o que Lacan conceitua e
simboliza por $, para dizer desta divisão, em que coloca o sujeito na condição
de efeito e de produção significante como determinante de sua divisão
subjetiva. De acordo com Lacan (1963-2005), a
partir dessa operação de corte, na qual o sujeito está em relação mútua à
construção na linguagem, subsiste um resíduo que tem a ver com o objeto a.
Vale apontar que o psicanalista vai dizer de estruturação até conceituar
o nó na cadeia borromeana.
Para Lacan, o objeto
é algo que não entra no domínio
do simbólico e que não é capturado pelo efeito da linguagem. Essa parte do
indivíduo anterior ao sujeito que fica de fora do simbólico é o objeto a. Na
medida em que ele é a sobra, por assim dizer, dessa operação subjetiva, o
reconhecemos estruturalmente nesse resto, por analogia de cálculo, o objeto
perdido. É com isso que lidamos: por um lado, o desejo; por outro, a angústia
que é ativada pela imagem impossível de um objeto avesso a qualquer imagem; é o
afeto que revela a borda entre o desejo e o gozo, que opera como investimento
do real no imaginário, mas também, para o sujeito, surge como o medo do vacilo
que a falta falte.
O objeto a, no centro dos elos,
Lacan nomeia ‘'mais-de-gozar''; vale dizer que ele é o que separa os gozos.
Porém, é também
o lugar onde esses gozos se entrejogam. É como se o objeto a fosse algo
que complementasse ambos os gozos, mas um complemento que cada gozo não tem, de
fato. Resta um mais-de-gozar, um ainda-a-gozar que nunca se obtém. Vale
conjecturar que esse mais-de-gozar do gozo fálico parece se vincular ao falo em
si, como objeto negativado.
Foi nos retornos em Freud que Lacan
reformulou o mito do Édipo e propôs
que o sujeito seja estruturado pela linguagem instituída pelo Outro – atribui o
conceito do estádio do espelho, infere a marca significante a partir do corte
e, por fim, conceitua o nó borromeano –, constructo com embasamento teórico por meio da matemática e da
topologia, até
chegar na instância da letra. Quando sai da teoria estrutural, Lacan articula a
questão do sujeito ao nó da cadeia borromeana, independentemente do registro
subjetivo a partir do corte, uma marca que
infere a instância da letra e a repetição, entre outras articulações sobre o
real. No seminário 23 Mais ainda..., Lacan formula que o gozo da fala
que o sujeito escolhe colocar em ato, o qual se trata do “Há Um”, que circunscreve e convoca a
ex-sistência, não
do verdadeiro, mas do Real, impossível de apreender, uma marca de gozo, é
distinto da fala como gozo do sentido ou gozo do dizer linguageiro localizável
no enunciado. O gozo é que se inscreve na dialética da repetição, que não é apenas função de ciclos na vida,
mas o retorno do inanimado como algo diferente do que ocorre na vida. Na
clínica, o que funda o retorno é o gozo.
No Seminário 17,
''O avesso da Psicanálise’' - págs. 47;57 - no trabalho analítico, gozo tem um
sentido obscuro que é da verdade. O avesso é o que faz eco com a verdade.
A verdade do sujeito quanto ao efeito
do RSI – é aquele em que a experiência da psicanálise engaja a dizer besteiras
e, a partir daí, um certo real pode ser atingido, o que tem a ver com a substância
gozante:
“O que é do impossível faz função ao real de decifração, o que não pode se
escrever, mas em análise, na tagarelice algo do real se atinge. Mas a ideia é
que a corrida na direção da miragem inacessível da verdade deixa vestígios de
escrito da impotência da verdade”.
Noutra volta, para
falar da angústia pela relevância que ela tem na clínica, tanto quanto os
outros conceitos, cabe uma pinçada nas discussões
no fórum – de um lado a angústia é motor no trabalho analítico e de outro
acomete o analista em algum momento. Lacan (1962-1963) retoma a teoria
freudiana e diz que as defesas não são construídas para barrá-la, mas faz
menção à resposta a algo que ela destina, ao que ele nomeia como signo no
seminário “Desejo do Outro”; é o que ocorre com a perda do limite do sujeito -
faz referência a um vazio sem borda, a partir de algo que o captura e o aliena
- embora tenha seu aspecto fenomênico, uma vez que, se articula com o real e
não é sem objeto. Em relação ao termo ‘’objeto’’ me refiro ‘’objeto de
desejo’’. Esse tal objeto não existe, pois para a pulsão não há definição deste, mas
articula-se entre a significação fálica, a falta de
objeto e o tamponamento da falta.
Mais uma volta em Freud: a angústia é
um conceito que ele, primeiramente, teoriza na concepção de 1926, em que fala da anterioridade da angústia em
relação ao recalque. A partir de um questionamento, Freud formula num primeiro
momento que a angústia está associada à diferenciação entre as neuroses atuais e as psiconeuroses. Sendo as
neuroses atualizadas, caracteriza uma quantidade de excitação sexual sem o
simbólico como mediador, que o corpo vivencia como forma de angústia, desvelado ou, por assim dizer, fora do recalque.
Freud também articula
que a angústia, nas neuroses atuais, é uma energia livre, que surge da tensão física pela ausência de
intermediação psíquica. Acerca das psiconeuroses, ele também diz da
libidinização da tensão sexual que extrapola a condição física, em que a consequência é a tensão para o psiquismo,
considerando então os sintomas como excesso de libido, e coloca a ideia de
transformação deste excesso em angústia. Tal excesso é vivenciado pelo eu como
um perigo pulsional; portanto, diante do perigo, o mecanismo de defesa é o
recalque.
Para Freud, o
recalque ocorre da separação entre a ideia-representante da representação- e o
afeto: um dos destinos seria a angústia vivida como um afeto livre, como já dito. Freud dá outras voltas e
constrói a segunda dialética do conceito em questão e diz da angústia
como uma libido transformada pelo efeito do recalque a uma ideia de uma angústia originária, associada ao trauma do nascimento e à dependência do humano até adulto-ser. Neste sentido, o que está
anterior ao recalque tem a ver com a angústia originária, na qual o recalque é a defesa da angústia por estar presente
desde o início e por temor a ela: o eu recalca, pois
se apresenta como ameaçador, o que, de alguma forma, remete à angústia originária.
Em 1962/1963, Lacan, noutro retorno, prioriza
o estranho no texto de Freud em 1919 e pondera neste artigo a angústia não somente
como resultante da perda, mas também como manifestação diante à falta da falta,
um sentimento vivido com a estranheza advinda do não comparecimento da falta,
no ponto onde ela deve estar destinada. Deste modo, a angústia não é mais
atribuída à
falta, mas à perda do objeto; contrariamente, se presentifica quando o objeto
falha, na possibilidade que a falta falte. Nesta via, Lacan, em 1962/1963, refere que a angústia não é sem
objeto, assim como um afeto que não engana. Tal objeto é o objeto a,
como aquele que é definido como causa de desejo. O objeto a é o que escapa
à libidinização e à simbolização,
produzido como um resto no circuito pulsional.
Assim, o que está em questão na
angústia não é a dúvida
na posição onde o gozo do Outro se sobreponha ao desejo com o risco de devoração. Por conseguinte, a posição do objeto
a em relação à angústia
e ao desejo é o mesmo: na angústia, ele reaparece na dualidade como
representação e dádiva
ao Outro mítico de gozo; no desejo, ele está na condição de objeto perdido, de um lado
autorizando e de outro, autorizado pela falta. Isso remete a uma questão de análise: ''o outro pode me perder?'' Nessa direção, o desejo se sustenta na estrutura
do fantasma. É nesta mesma estrutura que se mantém a angústia. Diante do enigma
do desejo do Outro que nada quer de mim, porém, é imprescindível que o Outro presentificado falte
para que eu possa ser a causa do desejo. É deste lugar que se opera o desejo do
analista, como causa do desejo, assim como semblante na posição de a.
No seminário 10, ''A angústia'' (1962/1963), Lacan infere que há também um resto referente
ao falo como falta, que não é representado pelo imaginário. Para relacionar
esse falo que falta na imagem, na mesma esteira do menos Fi (-?), essa lacuna que ele
designa objeto a
permite ao sujeito lidar com esse objeto como
causa do desejo. Paradoxalmente, Lacan vai dizer que só pode imaginar esse
objeto no registro especular.
Seguindo em minhas voltas, destaquei
em Lacan (pág. 73 do Seminário 17,
''O Avesso da psicanálise’'):
“O saber é coisa que se diz, que é dita. Pois
bem, o saber fala por conta própria – eis o inconsciente”. É neste Estatuto que todo analista
deve confiar para a direção do trabalho, a fim de ouvir o que o sujeito não
escuta de seu discurso apostando no inconsciente que comporta a verdade, mas não toda; a verdade do semi-dito, verdade que
é irmãzinha do gozo.
Para finalizar,
pontuo que todas as vezes em que volto nos estudos em Freud e em Lacan para
entender a teoria, vendo que me escapou algo não articulado, sigo no texto e retorno, e retorno outra vez até capturar alguma coisa e, depois de um tempo, retorno
novamente e vejo que ainda tenho muito para apreender. Mas continuo...
investigando o que me provoca e convoca nos atendimentos com os sujeitos
surdos. Para este sujeito, a apreensão da comunIcação é visual e, parece que a apreensão do simbólico ficou de fora, de um lado e de
outro eles trazem o sinal de proibido articulando sobre um impedimento e também
se movem diante da lei externa para a verem com algum prejuízo.
Para Lacan, a
constituição do sujeito é um paradigma que precisa ser articulado entre os
eixos diacrônicos e sincrônicos, os quais são os constructos que engendram sua
subjetividade e que se apresentam entre posições e funções, nas quais se articulam sobre o que um significante representa
para outro significante após os entrelaces entre a função paterna e materna no
campo do simbólico. Entretanto, se a
apreensão da metáfora paterna é imprescindível à articulação entre a sincronia e a diacronia, me faço várias questões a partir de uma discussão no ateliê da clínica: a surdez causa um funcionamento na psicose ou o sujeito surdo
enlouquece por causa dessa disjunção entre a fala e a escuta? E o que esse
sujeito não quis escutar? De alguma maneira, a experiência analítica me permite dizer que o entendimento do sujeito surdo é no concreto; ele também não faz metáfora, não entra em análise, mas há
um trabalho possível quando o sujeito atribui ao analista uma questão.
Referências bibliográficas:
FREUD, S. (1996d). Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade (Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 7). Rio de Janeiro: Imago.
(Originalmente publicado em 1905).
FREUD, S. Um estudo autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Análise Leiga e outros
trabalhos. (1925-1926) - (Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 7).
Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1905).
LACAN, JACQUES. O Seminário, livro 10: A
angústia. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
LACAN, JACQUES. O Seminário, livro 20:
Mais, ainda. Trad. de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
LACAN, JACQUES. O Seminário: Os não tolos
vagueiam – 1973-1974 - Trad. Espaço Maebius Psicanálise – Salvador –
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LIMA; VORCARO - Os gêneros tradicionais e a sexuação: os
impasses do sujeito entre o sentido e o furo -Trivium: Estudos
Interdisciplinares, Ano X, Ed.1, p. 35-48. 35
http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2018v1p.35
Stylus
- Rio d Janeiro, 209 - p. 1 – 176.
SOUZA, SILVANIA FERNANDES DE: O Tempo para a Linguística e para a Psicanálise / Silvania
Fernandes de Souza – João Pessoa, 2010.